Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
Direitos Humanos
Desejos Humanos
Educao EDH
Cibercidadania
Memria Histrica
Arte e Cultura
Central de Denncias
Banco de Dados
MNDH Brasil
ONGs Direitos Humanos
ABC Militantes DH
Rede Mercosul
Rede Brasil DH
Redes Estaduais
Rede Estadual RN
Mundo Comisses
Brasil Nunca Mais
Brasil Comisses
Estados Comisses
Comits Verdade BR
Comit Verdade RN
Rede Lusfona
Rede Cabo Verde
Rede Guin-Bissau
Rede Moambique

Potiguariana Digital Experincias de Educao Popular De P no Cho Tambm se Aprende a Ler Memria Histrica Potiguar 2h58i

Cartas de um Exilado
Djalma Maranho
Edio Clima Artes Grficas, 1984

De P no Cho | 40 Horas de Angicos | Movimento de Natal | CEBs no ES | Potiguariana

Dia de Domingo
Doryan Jorge Freire

Pessoas a quem Djalma Maranho enviou cartas do exlio

Embaixada do Uruguai
Dezembro de 1964

Joo Maria Furtado
Embaixada do Uruguai, Dezembro de 1964

Roberto Furtado
Embaixada do Uruguai, Dezembro de 1964

Leandro
Embaixada do Uruguai

Dria (esposa)
1. de janeiro de 1965, tirando o azar de 64.

Jacyra
Embaixada do Uruguai

Roberto Furtado
Montevideo, 9 de julho de 1965

Natrcia
Montevideo, 14 de abril de 1968

Natrcia
Montevideo, 12 de junho de 1968

Marcos (filho)
Montevideo, 20 de agosto de 1968

Dria (esposa)
Montevideo, 4 de outubro de 1968

Joo Maria Furtado
Montevideo, 7 de maio de 1969

Jacyra
Montevideo, 8 de maio de 1969

Dria (esposa)
Montevideo, 24 de outubro de 1968

Roberto Furtado
Montevideo, 12 de maio de 1969

Joo Maria Furtado
Montevideo, 1. de janeiro de 1970

Jacyra
Montevideo, 1. de janeiro de 1970

Bilhete para Jacyra
Montevideo, 12 de janeiro de 1970

Humberto Pignataro
Montevideo, 25 de janeiro de 1970

Roberto Furtado
Montevideo, 27 de janeiro de 1970

Jacyra
Montevideo, 15 de Maio de 1970

Marcos (filho)
Montevideo, 31 de janeiro de 1970

Roberto Furtado
Montevideo, 27 de fevereiro de 1971

Dia de Domingo
Dorian Jorge Freire

Alguns amigos de Djalma Maranho, sobretudo Roberto Furtado, Carlos Lima, Mailde Pinto, Newton Navarro, Jos Alexandre Garcia e Paulo Macedo, vo publicar cartas do grande prefeito de Natal na data que assinalaria os seus 70 anos, se ele no tivesse morrido no exilio.

E ensejam a todos ns, amigos e iradores de Djalma Maranho, a oportunidade excelente de voltar a falar nele, a relembr-lo e a exaltar as suas gradas qualidades.

Qualidades de homem pblico, cuja vida inteira esteve estreitamente ligada a causa do povo pobre. Djalma Maranho, sempre, todos os dias de sua vida, breve e preciosa vida, esteve a servio dos pobres. Como jornalista, como poltico, como deputado, prefeito, exilado. No h na sua histria, na sua biografia que precisa ser escrita pela competncia de Roberto Furtado, no h um instante, um dia, um minuto de distanciamento Djalma Maranho-povo.

No posso dizer que o conhec, como ele merecia ser conhecido e como eu gostaria de t-lo conhecido. Mas o conhec. Eu o conhec na segunda metade dos anos 40 e fui mobilizado por ele, l em Mossor, para a campanha de o petrleo nosso, que quixotescamente ele provia no interior do Estado. Ele fez um ato pblico ao lado do Pavilho Vitria, na Praa Rodolfo Fernandes, em Mossor, com dois oradores. Eu que o apresentei (a ousadia de meus 15 ou 16 anos de idade) e ele.

Em 1950, comecinho do ano, ele me escreveu uma carta que at hoje guardo nos meus bas. Chamava-me para vir a Natal. Dizia temer que eu continuasse nos limites (que ele julgava estreitos) da cidade de Mossor, onde findaria me casando e tendo filhos barrigudos e remelentos... Vim no pio e ele aqui me arranjou um emprego, de tradutor de telegrama no Dirio de Natal, quela poca dirigido por Edilson Varela.

Eu ficava no meu cantinho, manso e humilde de corao, penteando telegramas (da Asapress) e enchendo os olhos com as notabilidades que ali brilhavam: Edgard Barbosa, Amrico de Oliveira Costa, Luiz Maria Alves, Joo Neto, Aderbal de Frana, o prprio Maranho.

O prprio Maranho que eu, em artigo publicado no O Mossoroense, que a famlia Maia ainda no a com a complacncia de Mossor, chamara de Maranho Feroz, o que o divertira muito.

Depois veio o depois. Fui para a nao Sul, mas no perdi Djalma de vista. Nem ele esqueceu seu amigo mossoroense, tanto que, prefeito de Natal, duas vezes me trouxe aqui, para ser hospede do Hospital Miguel Couto (que na poca era tambm hospedaria) e ver o seu trabalho.

E que trabalho, minha gente. Djalma Maranho, que no era homem de cultura, no frequentava livros, escrevia com a desenvoltura gostosa com que falava, em Natal costurava e bordava. Entendia o povo e o povo o entendia. Nunca houve, nunca ter havido na histria poltica e istrativa de Natal e do Rio Grande do Norte, um caso mais perfeito de simbiose povo-. Djalma no istrava para o povo – Djalma istrava com o povo. Com ele a democracia era mais o governo do povo do que pelo povo e para o povo.

No seu jeep de guerra, a gente embiocava pela periferia da capital e eu via a irao direta. O prefeito excelente discutindo planos com o povo, aprendendo e ensinando. Falando a linguagem do povo, no porque tivesse aprendido a fal-la, mas porque aquela era sua prpria linguagem.

Se o seu mano Luiz Maranho Filho era o poltico culto, o professor de imensos mritos, causeur agradvel, selecionador de leituras, assistido por um pensamento poltico-filosfico. Djalma era a intuio, a pele suscetvel, a capacidade de entender num timo, a coragem furiosa (da o Maranho Feroz) de ousar, de tentar, de fazer.

Vi naquela poca que ele engrandeceu, que ele fez sua, que ele nominou, a poca de Djalma Maranho, faixas e mais faixas nas ruas dos pobres de Natal, com a informao maravilhosa: nesta rua todos sabem ler e escrever, nesta rua no h mais analfabetos. Porque com Djalma Maranho, de p descalo se aprendia a ler em barracos, em choupanas, at no raio que o parta.

No era aquele um governador paulista, mas um governo do povo. E com singularidades notveis: a mquina istrativa andava a todo vapor, as contas municipais eram exemplarmente corretas, no se roubava nem se esbanjava dinheiro do povo, que o dinheiro da Prefeitura voltava para o povo em obras que se multiplicavam para atend-lo.

Natal sabia que tinha um prefeito. Um grande prefeito. Que aqui tinha o maior prefeito do Brasil. Fazendo, acontecendo, mexendo, criando, lutando, enfrentando as dificuldades, se possvel, se necessrio, at na porrada.

A interveno militar de 1964 tinha de peg-lo, porque no podia aceitar o povo no governo. Cassou Djalma Maranho, prendeu Djalma Maranho e terminou por exil-lo. Abriu mil d um inquritos para escacaviar e sua istrao e verificou a inexistncia absoluta (eu escrevia absoluta) de qualquer seno, de qualquer escorrego, de qualquer deslize, de qualquer facilidade, de qualquer leviandade.

Djalma Maranho, que era um estouro da natureza, tinha tambm a sua simplicidade. E os homens simples no roubam, no defraudam, no mentem, no traem, no exploram.

Tanto que pela fora bruta arrancado de sua Prefeitura, arrancado de sua cidade, de seu Estado, de sua ptria, era um homem liso. Sem meios para garantir a subsistncia familiar, a sua prpria subsistncia. Tendo de trabalhar com o suor de seu rosto, para comer o amargo e triste po do exilio.

A quem chegava do Uruguai, perguntvamos todos – e Djalma? A resposta era invarivel – est morrendo de saudades.

Outros exilados se adaptavam, aprendiam a lngua estrangeira, diversificavam suas atividades, conspiravam. Djalma Maranho, no. Djalma Maranho agonizava de saudades. No rdio vagabundo que comprara em Montevidu, corujava a noite inteira, na tentativa, evidentemente v de ouvir Natal.

Aquela fria que era sua caracterstica de ao, se transformou na fria interior que ou a consumi-lo. A mat-lo todos os dias, em doses homeopticas, crescentemente. Cada dia no exlio, era cada dia mais prximo da morte. Da morte que para ele tinha um sentido de resgate, porque haveria de traz-lo para Natal. Aqui seria plantado, no cho amante de sua Natal.

E foi assim. Um dia o corao de boi estourou de saudade. E o cadver veio para sua cidade, e, com acompanhamento de uns poucos temerrios, foi levado ao cemitrio.

Ainda a, a bravura, a grandeza, a singularidade de Djalma Maranho no haviam pago o preo todo que cobravam. Fez-se silncio em torno dele. O seu nome ou a ser proibido. Pronunciado em cochicho. Velado apenas no corao do povo pobre que no esquece. Ainda hoje h quem comete a prudncia de omitir o seu nome no Palcio dos Esportes. Palcio dos Esportes. S. No Palcio dos Esportes Djalma Maranho.

Tolice.

Porque a cada dia que a, Djalma Maranho cresce mais no respeito do povo. No h mais uma s pessoa que no saiba que ele foi o maior prefeito que Natal teve. O maior e o melhor. No h mais quem no o avalie com justia.

Os que o conheceram, os que tiveram o privilgio de sua amizade, de sua ateno, de seu querer-bem, falam dele com basfia, com gabolice, com goga:
- eu conheci Djalma Maranho.

J alguma coisa. Outros h, muito mais felizes e no seu rol eu me meto: os que podem dizer, mesmo sem soberba, que no trairam a sua amizade.

^ Subir


Pessoas a quem Djalma Maranho enviou cartas do exlio
Pela sequncia de publicao, e para melhor identificao

Netrcia, ngelo, Odete e outros – familiares
Joo Maria – Desembargador Joo Maria Furtado, seu procurador Roberto – Dr. Roberto Furtado – Advogado e seu ex-Secretrio de finanas
Leonardo – Leonardo Bezerra, jornalista
Dria – Dria Maranho, sua esposa
Jacyra – Jacyra Furtado, esposa do Desem. Joo Maria Furtado
Netrcia – Netrcia Maranho, irm de Djalma Maranho
Marcos – Marcos Maranho, seu filho
Humberto Pignataro – Corretor de imveis em Natal

^ Subir


Embaixada do Uruguai

Netercia, ngelo e Odete:
Ronaldo, Margarida, Aliete
Maria ngela, Eugnia e Roberto:

Como um peregrino, continuo andando, sendo levado como as folhas que o vento arranca das rvores e voam sem destino.

Espero, em breve, comear a coordenar a suavidade das brisas e disciplinar a fora dos tufes.

Voltarei, ento, a Natal, para o convvio da famlia e dos amigos.

Tio Lula vai bem.

Aguardo salvo-conduto para viajar para o Uruguai, aonde pretendo fazer um rigoroso tratamento de sade, que anda um pouco avariada. A moral, entretanto, est firme...

Bas Festas e Feliz Ano Novo

Djalma Maranho

^ Subir


Joo Maria Furtado
Embaixada do Uruguai, Dezembro de 1964

Joo Maria,

Voc, que foi um grande jogador de futebol, sabe que melhor sistema endurecer o jogo e quando perde, aceitar a derrota de cabea erguida.

O diabo, que no jogo da vida, um rbitro sem escrpulo, marcou um penalti contra mim... Estou em desvantagem no placar. E chegamos quase ao final do primeiro tempo, nos ltimos instantes de 1964, ano cruel que no deixa saudades.

Durante o intervalo, no perodo de descanso vou ao Uruguai. Tratarei da sade.

O segundo tempo vai ser duro, com linha e ddo amolecendo...

Avise a Jacyra que as promessas que ela fez, pagarei todas, assim que retorne a Natal, espero no demorar muito.

Tome conta dos meus negcios, juntamente com Roberto, desde o processo, orientando os advogados, liquidando o jornal, vencendo objetos, fazendo emprstimos. E, particularmente, aconselhando Marcos.

A sade melhorou pouco, mas, o tratamento definitivo, somente ser possvel em Montevideo.

Diga a Lauro Pinto que se aguente na sela...

Lembranas para Carlos Augusto e Zacarias.

Abraos em toda a famlia.

Bas Festas e Feliz Ano Novo


Djalma Maranho
(Dezembro 1964 – Embaixada do Uruguai)

^ Subir


Roberto Furtado
Embaixada do Uruguai, Dezembro de 1964

Roberto,

Poucos foram to solidrios como voc, na hora da hecatombe. Evidentemente certo, que um problema de tradio, atvico, hereditrio. Voc herdou esta fibra do velho Joo Maria.

Todos ns e eu em particular, lhe agradecemos, reverenciando, emocionados, a sua atitude e desta irvel Dora.

Saimos da Prefeitura de cabea erguida, com as mos limpas. No houve subterfgio que conseguisse colocar uma mancha no pulmo sadio das finanas municipais, que esteve sob a sua responsabilidade, comprovada capacidade e indestrutvel honradez.

Ficaram em cofre cem (100) milhes de cruzeiros, o funcionalismo rigorosamente em dia e um plano istrativo quase impossvel de ser superado. Voc realizou o saneamento das finanas municipais, criando condies econmicas para a execuo do plano de obras.

muito difcil apagar no corao do povo a marca de amor que deixamos enraizada.

Nunca esquea que o vilo somente leva vantagem no incio da contenda. Esperemos, confiantes, os atos finais da tragdia.

Bas Festas e Feliz Ano Novo

Djalma Maranho
(Dezembro 1964 – Embaixada do Uruguai)

^ Subir

Leandro - Embaixada do Uruguai

Leandro,

Para Voc, nesta Vspera de Natal e proximidade de Ano Novo, no era necessrio escrever uma mensagem, nem mesmo uma simples frase.

Bastava uma pausa, uma pequena meditao, um mergulho no ado. E no silncio e na tortura desse submundo em que ei mais de oito meses, tinha, forosamente, de encontrar coce, como o melhor amigo de uma determinada e longa fase da minha vida.

Em breve devo seguir para o exterior. Longe da Ptria, retemperarei as energias, acreditando sempre na fidelidade do corao humano, que se desencontra, mas que nunca foge a grandeza geomtrica de um reencontro.

Quando chegar a hora de voltar, chegarei rpido a Natal, porque ningum se perde no caminho da volta, na afirmao do socilogo nordestino.

Velho Lo, abraos para voc, extensivos a esposa e filhos.

Bas Festas e Feliz Ano Novo

Djalma Maranho


(Embaixada do Uruguai)

Recado para o “reaa” Alves: Diga ao Britnico, que apesar de tudo, ainda lhe resta uma “bola branca”, como diria Paulo Macedo. Seu anjo tutelar a filha, que vi praticamente nascer e crescer, chorona e bonita e por quem tenho ternura de tio ou de sogro...

^ Subir


Dria
1. de janeiro de 1965, tirando o azar de 64

Dria,

Minha querida:

Tenho orgulho de voc. Digo, sinceramente, que no esperava a resistncia demonstrada, a inexcedvel dedicao, a extraordinria coragem de enfrentar situaes difceis, o nimo forte.

Voc uma grande mulher, uma dedicada companheira, uma extraordinria esposa.

Todos sabem, - que minha maneira – sempre fui um apaixonado. Sempre repetia que voc era a nica mulher capaz de vivermos a vida inteira unidos.

Voc muito mais inteligente do que parece. Soube, com habilidade me envolver, dominando-se completamente e ao mesmo tempo, dando a impresso de que eu tinha livre todos os caminhos.

Meu bem: A sua ternura, o seu amor, o afeto constantemente demonstrando, so coisas impossveis de relembrar, numa simples carta.

Somente estando ao seu lado, acariciando o seu cabelo, olhando os seus olhos, adorando o seu perfil, as mos entrelaadas, que poderia transmitir todo o sentimento do meu corao.

Depois de oito meses de separao, aquelas 24 horas que amos juntos, no Recife, tiveram sabor de lua-de-mel. Beijos e abraos do seu marido

Djalma

P. S. Escrevo esta carta no dia 1. de Janeiro de 65, tirando o azar de 64.


(Embaixada do Uruguai)

^ Subir


Jacyra
Embaixada do Uruguai

Jacyra,

No dia das mes ei um telegrama. Depois do falecimento da velha Salom, um espelho de bondade que guardo pela vida afora – tive uma imensa saudade.

Voltei a lembrana para diversas pessas e resolv mandar-lhe aquela mensagem, reflexo do meu estado emocional.

Dria dever retornar at o dia 15 de junho prximo. Est bem melhor, com o sistema nervoso mais controlado mas, sempre preocupada com Marcos.

Estou pedindo a Roberto para entregar trinta mil cruzeiros a Marcos, com recomendaes de que seja econmico.

Tive uma imensa, extraordinria mesmo, alegria, com a vinda de Harilda, que chegou como um furaco, demorando menos de uma semana, pipocando no mundo. Devia ter ado um ms, divertindo-se no velho Rio de Janeiro. No nega que ainda sente saudades de Nereu... A sua vinda foi tima... Abraos para Joo Maria.

Djalma


(Embaixada do Uruguai)

^ Subir


Roberto Furtado
Montevideo, 9 de julho de 1965

Roberto,

Aproveitando a visita do nosso amigo Srvulo, escrevo-lhe este bilhete. Ele chegou na hora do almoo e obteve uma rpida visita extra.

Estou com o p no escribo para viajar. Consegui adiar o embarque. Ontem teve avio e amanh ter outro. O motivo do adiamento guardado a ajuda econmica que, por seu intermedirio, mandei solicitar aos amigos.

O prximo avio ser entre o dia 18 e 21. E neste terei que ir de qualquer maneira. Telegrafarei, logo que tiver o dia certo.

Escreverei mais detalhadamente, quando Dria regressar.

Abraos para todo o pessoal, no esquecendo o velho Joo Maria, Jacira, Harilda, Mailde, Dora, etc.

Disponha sempre do amigo.

Djalma Maranho


P. S. O portador voltou e hoje, 10, fui avisado que tem um avio no dia 14. Devo viajar nele.
O nosso amigo Srvulo tem um processo na Secretaria de Segurana. Peo examinar.

Djalma

^ Subir

Natrcia
Montevideo, 14 de abril de 1968

Natrcia,

As suas cartas so esperadas com ansiedade e lidas com satisfao, porque transmitem notcias da cidade e dos amigos. Dria vai ar o inverno em Natal. Tenho uns problemas a resolver no Rio e em Natal. Voltar no fim do ano, caso no seja eu que retorne, em companhia de Marcos e Aninha.

Examine a possibilidade de mandar, tambm, Maria Eugnia. Grande abrao para ngelo e para o resto da turma e escrevera sempre.

Djalma Maranho

^ Subir

Natrcia
Montevideo, 12 de junho de 1968

A tranquilidade de Dria, que volta a Natal para operar-se depende muito de sua assistncia, tendo em vista a confiana que ela deposita em voc. Durante o perodo que ela estiver no Hospital, Maria Eugnea poder ajudar bastante.

Lembranas para ngelo, Bia e o resto da turma, com um grande abrao do

Djalma

^ Subir

Marcos
Montevideo, 20 de agosto de 1968

Marcos, meu filho; um grande abrao.

Fiquei, realmente, satisfeito com a sua carta. Uma demonstrao clara do seu amadurecimento. O homem que se preocupa em ocupar o seu lugar dentro da sociedade em que vive, descortinando horizontes em novos ngulos, marcando a transio de um perodo que se ganha quando se ultraa a maioridade. Os 21 anos de uma juventude, doce e bela infncia que no se reencontra nunca mais, porque a roda da histria no anda para trs... O menino de ontem, que se criou brincando nas largas avenidas do Tirol e nas encostas dos morros que circundam a cidade, subiu nos cajueiros, goiabeiras, mangueiras; jogou pedras e deu tiros; entrou pelo mar a dentro, deslumbrando, nadando nas ensolaradas praias de Areia Preta, Ponta Negra, Redinha, Circular. Teve o seu velocpede e a sua bicicleta e depois atormentou os pais, saindo as escondidas dirigindo, sem permisso, um jeep ou um automvel. Bebeu o seu primeiro copo de cerveja, fazendo careta, reusando guaran, porque beber cerveja, com um gosto amargo, era uma deliciosa maneira de ir afirmando-se como homem... Estudou sempre, com extraordinria facilidade para aprender, mas dando um trabalho imenso a sua me, com a tarefa de obrig-lo a preparar as lies e acordar cdo para ir ao Colgio. Entre os esportes e a literatura, preferiu ser um intelectual, um devorador de livros, deixando permanentemente derrubada a biblioteca do pai... Ainda de calas curtas escreveu seu primeiro artigo quando morreu o padrinho Luiz Antonio e fez o primeiro discurso estimulado por Caf Filho. Viajou, conhecendo grande parte do territrio de sua Ptria.

Depois veio o dilvio, a enxurrada que enxovalhou o Brasil. Angstias, desiluses, a noite negra que acobertou o dio e abriu ainda mais as portas de nossas riquezas voragem insacivel dos poderosos grupos econmicos norte-americanos. Mas, o sol nasce todos os dias, desde que o mundo mundo. O rubro claro das madrugadas uma esperana que se renova. O futuro est do nosso lado. Os mais poderosos imprios da terra, baseados na fora, nunca sobreviveram fora das idias. Buda, Confcio, Cristo, Maom, Marx, smbolos de filosofias diversas mas que tm uma raiz comum e desguam no imenso esturio em que se encontram milhes de seres humanos, unidos no desejo de que o mundo seja um mundo melhor. Hitler e Mussolini sonharam em implantar um sistema, baseado na prepotncia, que duraria MIL anos. Em minhas andanas pelo mundo estive em Milo, na Praa Loreto, onde Mussolini foi fuzilado e dependurado em um poste, como se fosse um porco e tambm visitei em Berlim o local aonde Hitler est soterrado como se fosse um co hidrofbico. a histria dos nossos dias. Uma guerra que se transformou em guerra de liberao dos povos.

Voc sabe melhor do que eu. O Brasil um pas de jovens. Mais da metade de sua populao tem menos de vinte anos de idade. Isto fabuloso. Sou um homem no caminho da velhice, mas serei um velho com idias jovens. No existe conflito de geraes. Isto uma mistificao. Existem velhos que so velhos mesmos e jovens que j nasceram velhos... A misso do homem que atravessou mais de meio sculo de vida, colocar a sua experincia a servio do sadio entusiasmo juvenil, vanguarda de todos os nobres movimentos. Esta a minha tarefa. O amanh pertence a sua gerao. Isto no significa que serei um simples conselheiro, um contemplativo. No. Sempre participante, para ser fiel ao jovem que vive dentro do meu corao.

No desespero. Sei esperar. A idade dos povos no se mede pela idade dos homens. A minha luta a continuao da luta dos meus anteados, os nativistas que plantaram a semente da ptria e conquistaram a sua Independncia Poltica. A batalha prossegue para obtermos a Independncia Econmica. Os nativistas de ontem so os nacionalistas de hoje. Estamos unidos debaixo da mesma bandeira ir dar animo aos teus futuros filhos, meus netos, na fidelidade aos princpios de liberdade. Igualmente fraternidade que os ses receberam dos gregos e tornaram universal.

O Brasil minha Ptria, Natal minha cidade, em cujo cho esto enraizadas indissoluvelmente todos os meus sentimentos. Tenho a conscincia tranquila. Dei minha contribuio no sentido de arrancar o Brasil do atoleiro em que se encontra, quando lanamos as bases da Campanha de P no Cho Tambm se Aprende a Ler. A Histria far justia. No importa o que ou e o que ainda est ando. Continuo no caminho certo, aquele traado pelos mrtires de nossa Independncia. melhor sofrer e muitas vezes morrer, do que participar do festim daqueles que esto vendendo o Brasil no balco das negociatas internacionais. No sinto nenhuma seduo pelos encantos do Dlar, que nos dias de hoje tem o acaso, a triste e horripilante misso de substituir os 30 dinheiros de JUDAS. Minha gerao, certamente, no assistir os ltimos estertores do Imprio do Dlar. No importa. O parto tranquilo. Deixo o Imprio moribundo. O sculo XX que marcou o incio de uma nova era social levar nas suas convulses os ltimos tentculos e a derradeira gota de fel do imperialismo norte-americano. Os povos sub-desenvolvidos, podero, ento, encontrar o caminho do progresso. Os meios de produo e a terra sero patrimnio de todos. Haver fartura e desaparecer o fantasma da fome, que mata, assassina o termo, milhes de seres humanos. Desaparecer, tambm, o espectro do analfabetismo. Genocdios como do Vietn no se repetir.

Meu Filho:

Esta carta no um testamento... a conversa franca de dois homens. Um mais idoso e outro mais jovem. Ainda espero viver bastante. E a vida no somente luta e trabalho. O homem e a mulher necessitam divertir-se. A outra face. O lado ameno. Msica e poesia. Um pouco de vinho, sim, vinho, porque o vinho est nas escrituras!... E na sua idade ideal para todas estas coisas. Aproveita. Aproveita bem. Neste captulo tambm posso oferecer contribuio da minha experincia. E no estou arrependido. A vida bela. O difcil saber aproveit-la dentro do binmio: intensidade e equilbrio.

Esta carta est se tornando longa e assim sendo, deixo para a prxima vrios assuntos de ordem pessoal. Ajuda tua me, olha por Aninha e muito carinho com tua av e receba do teu pai um grande abrao, extensivo aos velhos amigos

Djalma Maranho

^ Subir

Dria
Montevideo, 4 de outubro de 1968

Dria, grande abrao.

Tive hoje, uma grande alegria ao receber, inesperadamente, a visita de vrios conterrneos, que se encontrando excursionando, terminaram aqui, diante desta velha e enferrujada mquina de escrever, quando me encontrava em pleno expediente. Luis Costa Cirne e a esposa Neide, Edilson Santos Medeiros e a esposa Dilce e o mdico e esposa Francisco da Silva Gomes. Magnficos os presentes que mandou: 1 lata de goiaba, sabonete Dersox e um pacote de jornais. Conversamos muito, matando as saudades. Amanh eles seguem para Buenos Aires e na volta am por aqui e mandarei mais notcias.

Esta carta tem a finalidade toda especial de mandar-lhe um beijo de parabns pelo prximo aniversrio. O meu pedao de bolo divida entre Marcos e Aninha. Dona Leopoldina, que tem uma voz muito afinada, naturalmente cantar o “parabns para voc”, dando incio festana. No esquea de encher o bucho de Haroldo de sanduches... No prximo ano comemoraremos juntos.

Nas cartas anteriores tenho lembrado para voc no deixar para a ltima hora o problema do aporte, assim como uma nova carteira de identidade, basta requerer uma segunda via, pois depois de cinco anos a mesma perde a validade fora do pas. O meu na tem jeito de chagar...

Tem chuvido bastante nestes ltimos dias. Em consequncia, peguei uma gripe danada. Tenho tomado comprimidos de todas as qualidades e hoje parece que a fase aguda est ultraada. Caso no venha uma recada terminar o espirra-espirra e esta moleza no corpo, que chateia como o diabo...

Nas cartas que nas prximas semanas mandarei para Marcos, Joo Maria e Evaristo, falarei mais a vagar em diversos assuntos, inclusive como estou encarando a possibilidade do meu retorno.

Escreva para Nan, sabendo quando que ela vem. Caso a poca seja a mesma da sua viagem e caso voc desejar ar uns dias em Porto Alegre, poderia vir com ela, que viaja somente de nibus, porque tem mdo de avio... Combinaram para se encontrar no Rio de Janeiro.

O pessoal que chegou de Atal, aos quais fiz referncia no incio desta carta, estava certo de que o caso de minha aposentadoria estava resolvido. No sabia que ainda depende de uma deciso do Tribunal de Justia. Logo que tenha qualquer informao mande dizer.
Voc no mandou mais notcias de Maria Eugnia. Como que vai de amores, quando casa? Ah, menina danada...

Lembranas para todos.

Um grande abrao pra voc, Marcos, Aninha, Dona Leopoldina e Geralda e tambm no esquea de abraar Bi.

Djalma Maranho

P. S. Dria – quem se encontra aqui Antnio Luis. Veio falar com o pai, pois pretende casar. Examinou problemas dos terrenos de Braslia. A dvida de 860 mil cruzeiros velhos. Ele aconselhou pagar, pois os terrenos to muito valorizados. Vou escrever para Dinarte acertando uma forma de pagamento.

Mandarei cpia para voc.

Em tempo: fique bom da gripe

Djalma

^ Subir


Joo Maria Furtado
Montevideo, 7 de maio de 1969

Meu caro Desembargador Joo Maria:

Escrevo-lhe esta carta com bastante atraso, respondendo as suas notcias, tendo em vista que estou ando por um perodo de indeciso, coisa rara em minha vida. Sempre fui de tomar decises imediatas, certas ou erradas. A coisa pior do mundo vacilar. No creio que seja a idade. Preparei-me para ter uma velhice resoluta. O problema de responsabilidade de famlia. Minha mulher vive um drama permanente e recebeu o julgamento com uma crise nervosa tremenda, que se prolongou por vrios dias.

Meu caro Desembargador: Eu no fui condenado e sim condecorado com as mais alta condecorao da verdadeira revoluo brasileira! Esto equivocados os que pensam que me atingem. Somente aceito o julgamento da Histria. Os que hoje me condenaram aro ao mesmo nvel daqueles que condenaram os mrtires de nossa Independncia Poltica. Os meus descendentes tero honra de usar o meu nome e os filhos, netos e bisnetos destes infelizes traidores da Ptria, nunca podero lembrar com dignidade suas descendncias. a realidade. Recebi tranquilo a notcia.

No pretendo recorrer da sentena. Quando um dia o Supremo Tribunal retorne plenitude de seus poderes, ento examinarei o assunto. No momento deixar os macacos quebrando a loua...

O que me alegra saber que a grande maioria dos companheiros envolvidos nesta farsa esto livres.

O que me preocupa o problema econmico. Dria ter de regressar e ar uma temporada em Natal. A dona do apartamento aumentou o aluguel e no posso pagar o que pede. O jeito que tenho entregar, mandar a mulher para a casa de minha sogra e ir viver em um quarto de hotel. No fim do ano, para o comeo de 1970 veremos a possibilidade dela voltar.

E a aposentadoria, como anda? Tenha cuidado. prefervel esperar mais um pouco. Poder haver interferncia. Tudo possvel.

Diga ao Roberto que na prxima semana responderei a sua carta.

Voc e sua famlia, amigos certos nas horas incertas, o abrao do amigo de sempre que fica aguardando suas notcias.

Djalma Maranho


P. S. CASA DA PRAIA – a ltima coisa que desejaria vender. Pretendia ar meus derradeiros dias em Ponta Negra. Mas, se a pessoa interessada pagar um preo alto e o capital renda juros para minha tranquilidade econmica presente, fao o negcio. Vender, somente para aliviar uma crise momentnea, “comendo” o capital, como foi o caso de outras coisas menores vendidas, no interessa.

Djalma

^ Subir

Jacyra
Montevideo, 8 de maio de 1969

Jacyra:

O prximo domingo o dia das mes. Voc que tem a idade fsica para ser minha irm, sentimentalmente tem mantido uma solidariedade verdadeiramente maternal para este seu velho amigo, nos anos amargos em que vivo. Lembre-se que certa vez j lhe mandei uma mensagem, relembrando a velha Salom que, durante toda a sua vida, foi me e amiga dos seus filhos. Hoje renovo a mensagem e com o pensamento voltado para ela, agradeo a voc todo o que tem feito.

Jacyra: Minha situao econmica agravou-se. No do meu temperamento comentar estas coisas. Peo, entretanto, remeter com a possvel brevidade o aluguel da casa da Rua Jundia, correspondente ao ltimo trimestre. A derradeira remessa foi nos derradeiros dias de fevereiro.

Os primeiros meses de 1969 foram totalmente desfavorveis. A pior fase. No somente notcias ruins, como o pequeno negcio em que trabalho funcionou mal. Estou obrigado a mandar Dria ar uns meses a, porque o aluguel do apartamento subiu violentamente. Sou um lutador e no desanimo, voc bem sabe disto. Estou enfrentando o temporal e espero vencer a borrasca... No final tudo sair bem. Pelos jornais do Rio acompanho, mais ou menos o que vai ando em nossa terra. Nunca mais recebi jornais da.

E a garotada de Harilda como vai?

A preocupao com o problema econmico tira-me toda inspirao de escrever. Prometo-lhe, entretanto, uma longa carta com assuntos amveis, logo que saia da “fossa”...

Um grande abrao em Dora e um duplo em Roberto.

Recomendaes para todos, escreva e disponha sempre do amigo

Djalma Maranho

^ Subir


Dria
Montevideo, 24 de outubro de 1968

Daria:

Recebi a sua carta de 14 do corrente.

A estas alturas voc j deve ter recebido s notcias que mandei por vrios conterrneos que aram por aqui, sendo que o ltimo foi o deputado Geraldo Queiroz. Alm da carta mandei uma capa de plstico para Marcos e um brinquedo comprado na feira de Tristan Navarra para Aninha.

J mendei avisar que arrume a maleta para voltar, depois do dia 20 de Novembro, poca em que Marcos estar na reta final dos estudos.

IMPORTANTE. Somente viaje quando receber o dinheiro da casa da praia. Anteriormente mandei dizer para fazer um raspa e trazer tudo o que for possvel. A vida aqui est encarecendo muito e tambm existe a possibilidade de uma hora para outra ter de retornar, necessitando dinheiro para as despesas. Acerte com Jacyra, tudo direitinho, dizendo a ela que eu necessito que o dinheiro venha por intermdio.

Traga o mnimo de roupa possvel. Somente o necessrio. O apartamento est cheio de cacarecos.

Peo para trazer remdios. Chofitol (em plulas), sabo Dersox, uns frascos de Hebrin e complexos de vitaminas. Quanto as vitaminas fale com os mdicos amigos. No esquea.

Recebi os recortes com a notcia da Auditoria do Recife, sinal de que as coisas ainda andam complicadas. Peo para mandar dizer em que ponto ficaram as coisas depois deste interrogatrio. Advogado no Recife no adianta quase nada.

Sei que no fcil de encontra, mas veja se descobre aonde anda uma segunda via de minha carteira de identidade. Tinha duas. Uma se encontra aqui comigo, meia esculhambada. Descobrindo a outra, traga.

J que estamos falando em documentos, como que vai o seu aporte e a sua carteira de identidade? Tudo providenciado? Espero que sim.

Mandei por Queiroz um bilhete e uma fotografia para que Afonso Laurentino mande por voc uma caderneta atualizada da Associao de Imprensa.

Outra coisa. Traga alguns selos para recibos. As vezes tenho tido necessidade, aqui no Centro Del Turista Brasilen, de ar recibos em cruzeiros e no tenho estampilhas. Selos para dois ou 3 recibos, nada mais.

Chegando no Rio (aonde vai se hospedar?) por intermdio de Odete fale com o Dr. Vivaldo. Pea todas as informaes, inclusive nomes de advogados que possam impetrar o h. c. Fale pessoalmente, com calma.

Outro assunto que trate no Rio do meu aporte. Djalma Marinho mandou-me um recado, por Ivete Vargas que esteve aqui, pondo-se a disposio. Com o aporte e a aposentadoria posso viver mais tranquilo. O velho poder ajudar no caso do aporte. O telefone do Vilas : 45.7097.

Lembranas para Dona Leopoldina, Netrcia, ngelo, Djalma, Evaristo, Mrio, Joo Maria, Pedro Coelho, Ida, Aliete, Eunice, Heriberto, Maciel, Omar, Oliveira Jnior, Ticiano, Roberto, Zelda e Murilo, Ione, Pacheco, Olindina, etc., e abraos para voc, Aninha, Geralda e Marcos.

Djalma

^ Subir


Roberto Furtado
Montevideo, 12 de maio de 1969

Roberto, um grande abrao:

A condenao no foi surpresa. Apesar de todas as notcias otimistas no tinha iluses. Sempre considerei que seria condenado na hiptese de ir a julgamento em justia de exceo. A nica sada que vislumbrava era o h. c. no Superior Tribunal, naquela fase em que o mesmo havia firmado uma jurisprudncia favorvel aos acusados, por falta de justia causa, etc., etc. O pessoal cochilou no ponto. A coisa foi ficando na dependncia do acaso de Diva e sempre adiando. E o resultado foi que virei “boi de piranhas”... Agora no adianta recriminaes. Temos que enfrentar a realidade e a curto prazo no vejo nenhuma sada.

Na expectativa de retornar, no tinha renovado o contrato do apartamento. E agora, em junho, tenho que entregar. O novo aluguel proibitivo. Dria ir ar uns 6 meses em Natal e eu irei para um quarto de hotel. Minha aposentadoria que estava na bica para sair, certamente entrar em como de espera. O Centro de Turismo, neste perodo de inverno, est praticamente sem movimento. Trabalha-se, somente, durante os 3 meses de vero. Estou abrindo outras frentes de trabalho, como seja venda de revistas e jornais. Negcio precrio e trabalhoso.

Os ltimos acontecimentos obrigaram-me a modificar completamente meus planos de vida. A volta imediata a Natal foi adiado e tenho de esperar. No campo dos acontecimentos polticos tudo possvel e nada impossvel. Esta condenao no me atinge, pelo contrrio, recebo como uma honra, uma condecorao pelos servios prestados minha Ptria, hoje, infelizmente dominada pelos norte-americanos. No roubei, no matei, no cometi nenhum crime. Somente aceito o julgamento da histria e esta me far justia. Tiradentes e Frei Miguelinho tambm foram condenados pelos agentes de uma potncia estrangeira que dominava o Brasil. Hoje no mais Portugal que escraviza o Brasil. Os patres, agora, so os yankees.

Conforme j escrev ao teu pai, (cuja carta peo acusar, mesmo que seja com um simples carto) meu problema fundamental econmico.

Necessito solues rpidas para equilibrar as finanas. Vender ou alugar a linotipo, uma delas. No sei da possibilidade a em Natal. Uma firma slida ou a Universidade. Peo examinar o problema. Estou em contato com amigos do Rio, visando o mesmo objetivo. Caso esta hiptese se positive, voc poderia providenciar a remessa da mquina para o Rio.

Outro assunto que peo toda a sua ateno no sentido de mandar uma das mquinas de datilografia (porttil) que estiver em melhores condies para o Rio de Janeiro. L mais fcil remeter para aqui. Tenho necessidade, agora que no posso retornar, de ativar meu trabalho. Para isto, preciso de uma mquina no escritrio e outra em casa. Roberto: Resolva este caso com aquela sua antiga eficincia...

Deixe de lado o problema da apelao. O instante que estou vivendo de sobrevivncia econmica. Dois so os casos: Venda ou aluguel da linotipo. Remessa de uma mquina de datilografia porttil.

O dr. Ferreira j est meio dono da cidade. Fabuloso.

As novidades que se am por a tenho acompanhado pelos jornais do Rio de Janeiro. A confuso cada vez aumenta mais...

Lembranas para todos da famlia e um abrao para todos os amiges e disponha sempre do

Djalma Maranho

^ Subir


Joo Maria Furtado
Montevideo, 1. de janeiro de 1970

Meu caro Joo Maria:

Propositadamente deixei para responder as suas duas cartas uma de 9 e outra de 12 de Dezembro ado, ao iniciar-se um novo ano... Vamos ver se a “urucubaca” me larga e surjam novos horizontes, pelo menos no campo comercial, regularizando minha situao econmica.

A pequena Agncia de Viagens fechei, provisoriamente, ficando somente com a representao de revistas e correspondente de jornais. O endereo, entretanto, continua o mesmo, apesar de ir ao Cmbio somente como ponto de encontro e de referncia. Todos os dias, s 10 horas e tarde s 16, estou por l.

Depois de uma longa peregrinao pela imprensa, procurando um “gancho”, parece que finalmente encontrei. Na prxima semana iniciarei uma crnica, duas vezes por semana (minha proposta era para se diria) no jornal BP COLOR, um rgo neutro, editado pela Editorial Joo XXIII, mas que no se preocupa muito com o problema religioso... Tem uma boa venda avulsa. No terei ordenado fixo. Tudo depende da publicidade que entre. A seco sobre turismo. Assim sendo terei de escrever e conseguir os anncios. Escrever o mais fcil, o mais complicado a publicidade... Estou satisfeito, principalmente porque terei o que fazer durante todo o dia. O negcio das revistas no toma muito tempo, a no ser no fim do ms quando tenho de fazer a escrita prestando contas.

Sobre a aposentadoria fiquei ciente de todas as marchas e contra-marchas. Psicologicamente estava preparado para o adiantamento do julgamento para depois das frias forenses. Agora esperar as prximas quartas-feiras, quando o Tribunal se rene em pleno. O aspecto jurdico da questo com voc, pois o sapateiro no deve ir alm da meia sola...

Agradeo muito a maneira detalhada como voc escreveu, ponto por ponto. A falta de notcias, muitas vezes, deixa-me preocupado e por isto que insisto em determinados assuntos. Voc compreende.

Recebi o dinheiro mandado por Roberto, assim como a exposio de Carlos Lima sobre o estado da linotipo. Vou escrever aos dois.

Mandarei, tambm, um bilhete para Jacyra, sabendo de alugou a casa da praia e se recebeu, assim como voc, uma carta feita em versos...

O reparo da casa de Ponta Negra ser financiado por Josemar, que se prontificou para isto, desejando somente que Ribamar informasse e orientasse no que fosse possvel. Certo.

Que os banhos de mar, em Muri, lhe retemperem as energias para continuar no batente, com esta fibra que Deus lhe deu.

Somente a partir de amanh vamos voltar a receber jornais do Brasil e da Argentina, cuja entrada estava proibida devido aos problemas de seqestros! Assim sendo, tinha dificuldades em saber notcias do Brasil. Atravs de amizades nas companhias de aviao conseguia alguns jornais, mas de So Paulo e So Paulo outro Brasil... Tenho notcias contraditrias. Umas informando da eleio de Carvalho Neto, em 3. lugar. Outras no. No sei quem foram os deputados estaduais eleitos. Dona Leopoldina mandou um jornal, mas at hoje no chegou. Impressos mandados pelo correio, fogo. Um jornal de So Paulo tambm publicou que Roberto tinha entrado com um protesto contra a diplomao de trs deputados do MDB, que na legislatura anterior tiveram faltas em demasia. Quem so estes malandros?

LINOTIPO – Escreverei, conforme j disse, diretamente para Roberto e Carlos, mas posso adiantar que estou de acordo com as iniciativas tomadas para a recuperao da mquina. Inicialmente, posso adiantar que interessa um arrendamento por dois (2) anos, com uma opo para Carlos renovar o arrendamento ou comprar, avisando com trs meses antes de terminar o contrato de dois anos. Desejaria saber qual seria o mnimo que Carlos poderia pegar-me, mensalmente. Seria uma ajuda para aliviar meu oramento pessoal, pois ando meio enforcado. O custo de vida aqui sobe de maneira inacreditvel.

ELEIO DE ROBERTO – Fiquei bastante chocado em saber que Roberto tinha ficado na 1. Suplncia. A poltica uma megera. Apesar de no acreditar, no momento atual, na validade das eleies, por vrios motivos, o caso de Roberto, para mim mais sentimental que poltico. Espero que os recursos impetrados tenham validade e ele volte ao apartamento.

Vou terminando por aqui e mandando-lhe um abrao de amigo

Djalma Maranho
Montevideo, 1. de janeiro de 1970

^ Subir

Jacyra
Montevideo, 1. de janeiro de 1970

Jacyra:

Recebi sua carta e agradeo as notcias que mandou.

Natal e Ano Novo fizeram que entrasse numa “fossa” danada...

Dria deve ar o prximo inverno a em Natal, retornando no vero. Est muito preocupada coma sade de Dona Leopoldina, que depois da morte de Djalma, agravou-se ainda mais. E tem o caso de registrar Ana Maria.

Recebeu, juntamente com Joo Maria, dias cartas feitas em versos? Pouca gente sabe que na juventude fui poeta e poeta ruim...

A temporada turstica, este ano, est sendo um fracasso, devido os casos dos seqestros e das medidas tomadas pelo governo. Estou com vontade de domingo tomar um banho de mar, ou melhor, um banho de rio (gua doce do Rio do Prata, misturada com gua do mar).

Assunto chato. Alugou a casa da praia?

Assunto alegre. J est preparando as fantasias dos netos apara o carnaval...

Escreva sempre mandando notcias. Abraos para Roberto, Dra, Harilda e os netos e o pessoal da cozinha, sua equipe e secretrias. Ainda so as mesmas?

Um abrao do velho amigo de sempre.

Djalma Maranho

^ Subir


Bilhete para Jacyra
Montevideo, 12 de janeiro de 1970

Prezada amiga Jacyra
Minha pergunta responda
No tenha raiva, nem ria.

A casa de veraneio
Foi alugada este ano?
Tire-me deste aperreio
Ou entrei pelo cano?...

Joo Maria no deu bola
Para os versos que lhe mandei
Prefere jogar carambola
Com algum que eu no sei...

Dria est gorda e animada
Com a chegada do calor
Parece at namorada
E me dando muito valor...

Djalma

Escreva. Mande contar as coisas que se am por a e que somente voc sabe informar. Estou na expectativa da aposentadoria, esperando a todo momento notcias de Joo Maria.

Um grande abrao do amigo de sempre

Djalma

^ Subir

Humberto Pignataro
Montevideo, 25 de janeiro de 1970

Meu caro Humberto Pignataro:

Os amigos so o melhor capital que se acumula na vida. Quando necessitamos deles utilizamos sem necessidade de emitir uma nota promissria... E os juros so debitados em uma conta corrente que somente so resgatadas com outros favores.

Meu caro Humberto: Sempre recordo as suas piadas e uma das melhores era aquela em que voc anunciava a venda de um terreno do nosso querido amigo Chico Prto, com tanta fantasia, que no final, ele desistia da venda pois no imaginava que a sua propriedade tivesse tantas coisas bonitas...

Quem est necessitando, agora, de sua frtil imaginao como corretor de imveis, este seu velho amigo.

Tenho em Extremoz, conforme do seu conhecimento, um stio. Tem (02) duas frentes, uma para a lagoa (aonde existe uma praia com areias alvssimas...) e a outra frente para a estrada de rodagem que vai para Muri (a melhor praia do mundo na opinio do pessoal l em Cear-Mirim). O stio fica bem prximo da estao da Estrada de Ferro.

Estava cercado de arame farpado e tem dezenas de coqueiros, cajueiros, mangueiras, jaqueiras, goiabeiras, abacaxis, etc., todos frutificando. rea para plantar milho, feijo, mandioca. timo lugar para criao de patos e marrecos. E outras coisas que voc pode bolar, aproveitando a propaganda da propriedade de Chico Prto...

Necessito vender o stio para dar entrada em um pequeno apartamento (sala, quarto, cozinha e banheiro, todos minsculos), ficando pagando o restante em 48 prestaes mensais. Isto representar um sensvel alvio, pois a prestao menor do que o aluguel do apartamento em que estou vivendo. Estamos, aqui, em um regime ultra inflacionrio, com uma falta de dinheiro em dlares. o fim do mundo. Em que aluga pretende receber os aluguis, tambm em dlar.

O dinheiro que recebo a do Brasil, com que consigo ganhar aqui, representam 50% do aluguel do apartamento. E o pior que no existem muitos apartamentos para alugar. O negcio do dia vender. Vivo com a corda no pescoo... A soluo comprar um pequeno apartamento, pois so vrias as imobilirias que trabalham no gnero de vendas a prestao.

No tenho uma idia definitiva (aqui de to longe) de quanto estaria valendo o stio. Sei, somente, que a zona da Laga est muito valorizada com a eletrificao da regio.

Confio que o amigo procurar ajudar-me encontrando uma oferta compensadora. Venda a vista seria melhor; Poder, entretanto, fazer uma parte a prazo, com ttulos que possam ser descontados em um Banco.

Peo falar com Joo Maria e Roberto, meus procuradores, advogados e amigos, com poderes para casamentos e batizados e outros bichos...

Um abrao para todos os amigos Lees e Domadoras, tambm, na expectativa de que ainda estaremos juntos naquelas reunies to agradveis.

Dria manda muitas recomendaes para a tua patroa.

E no momento, o que posso mandar para voc, um abrao do tamanho do antigo bonde do Tirol...

O amigo de sempre

Djalma Maranho

^ Subir

Roberto Furtado
Montevideo, 27 de janeiro de 1970

Roberto, um abrao:

Estou mandando uma enxurrada de correspondncia para voc, nestes ltimos tempos.

Sobre a linotipo lhe escrev, inclusive mandando cpia da carta que enviei ao Carlos, concordando com o arrendamento da mquina por dois anos, ficando ele encarregado de preparar, de comum acordo com voc e Joo Maria o contrato, mandando-me, antes, a minuta.

Agora estou lhe remetendo uma cpia de uma carta enviada ao corretor de imveis Humberto Pignataro, solicitando vender o stio de Extremoz, tambm ouvindo antes o velho e voc. Os motivos da venda voc tomar conhecimento atravs da carta para Humberto, pois no adianta estar repetindo a mesma lenga-lenga.

Muitas recomendaoes para o pessoal da famlia e os amigos

Djalma

^ Subir

Jacyra
Montevideo, 15 de Maio de 1970

Jacyra:

Dria vai bem, somente preocupada com o frio que comea a chegar. Eu j estou mais ou menos aclimatado e como tenho condies de aclimatao em qualquer ambiente, resisto bem a onda de gelo que vem diretamente do plo, ando por aqui, muitas vezes, com uma velocidade de vento de 120 Klms horrios. A semana ada houve um pequeno “tornado”, uma espcie de furaco que arrasou com uma pequena povoao, inclusive matando vrias pessoas.

Aproveito a oportunidade para mandar um recado para Joo Maria. Recebi a carta que ele mandou em resposta a que lhe escrev. Ainda no sabia que o Tribunal havia arquivado a Rescisria. Estava informando, de acordo com uma carta anterior dele, era de que a referida rescisria no tinha nenhum fundamento. Estou ciente que a questo entrou em outra fase, tendo ele mandado tirar certides do processo, em duas vias para, atravs do Procurador Geral do Estado, ser solicitado ao Tribunal interveno na Prefeitura e, ao mesmo tempo, a representao criminal contra o prefeito. Diga a Joo Maria que no se “afobe” com minha impertinncia, perguntando, indagando, procurando saber a marcha deste longo processo. Vivo em um ambiente de expectativa, com os nervos escangalhados, tomando calmante todos os dias para poder resistir mar de notcias ruins.

Roberto escreveu minha carta, acusando o recebimento da mquina de datilografia? Est sendo muito til, porque os trabalhos que no fao no escritrio levo para fazer em casa.

Um grande abrao para voc, Joo Maria, Roberto, Dora, Harilda, netos, s empregadas e recomendaes aos amigos. Daria tambm lhe manda um abrao. Disponha sempre do velho amigo.

Djalma Maranho

^ Subir


Marcos
Montevideo, 31 de janeiro de 1970

Marcos:

Receba duplo parabens. Um pela sua formatura e o outro pelo trabalho que est realizando para ajdar a resolver o caso da aposentadoria.

Procure em meu nome todos os amigos que voc considere vlidos para “empurrar o carro”.

Um abrao do seu pai amigo

Djalma

^ Subir

Roberto Furtado
Montevideo, 27 de fevereiro de 1971

Meu caro Roberto:

Esta carta trata das mesmas chateaes de sempre. Em janeiro ado escrev duas vezes, j estamos em fins de fevereiro e ainda no recebi resposta.

A primeira foi sobre o arrendamento da mquina LINOTIPO. Mandei uma carta diretamente para Carlos e cpia para voc, concordando com um arrendamento por dois anos e solicitando as bases para o contrato.

A outra, remet para o corretor de imveis Humberto Pignataro, solicitando que procurasse comprador para o Stio de Extremoz. Tambm mandei cpia da carta para voc.

Agora que terminou o carnaval e a temporada de vero, peo ao amigo tomar p nestes problemas, mandando dizer como marcham os mesmos.

Recentemente, escrevendo para Joo Maria sobre a aposentadoria, mandei um BILHETE para voc.

O carnaval aqui, uma lstima, isto , em relao ao nosso, pois muito melhor do que em outros pases vizinhos, aonde no se festeja praticamente ao Deus MOMO. Dura mais de um ms com uns desfiles de carris alegricos e uns blocos denominados de MURGAS e COMPARSAS, uns calungas grandes denominados CABEUDOS, mas o povo no participa, ficando somente olhando. Somente no domingo fui ver o desfile. Era a mesma coisa dos anos anteriores.

Diga a Jacyra que ainda bem o vero no terminou e somente com uma pequena onda de frio. Dria pegou a primeira gripe do ano, ficando mais de uma semana na cama. Felizmente hoje j est ba.

Durante todo este perodo carnavalesco no tomei nenhuma bebida, mas hoje sbado e estou mal intencionado e pretendo tirar o atraso. Tem um brasileiro, meu conhecido do Rio, que se encontra aqui fazendo turismo e metido a bomio. Estava insistindo para que eu o levasse a um lugar tpico de Montevideo. E hoje, ao meio dia, vamos comer CHICHULIN com vinho, l no Mercado do Velho, prximo do Porto, uma zona braba... Ele vai ficar danado da vida quando descobrir que CHICHULIN tripa-assada. A nica grande vantagem que a tripa assada na hora, na brasa, uma espcie de churrasqueira enorme. Todas as vezes que como Chichulin me lembro do PICADINHO da Feira do Alecrim. Para quem tem uma boa dose de colesterol como eu, Chichulin uma beleza...

Roberto: Hoje sbado, amanh domingo. E termina o ms de fevereiro. Segunda Feira j Maro. Mande notcias, com a possvel urgncia sobre o contrato da LINOTIPO e a venda do stio.

Receb o numerrio transferido pelo Banco do Brasil.

Em todos os assuntos, no preciso dizer, fundamental a opinio do Paj Joo Maria, para quem mando um grande abrao.

Lembranas para o pessoal de casa, recomendaes aos amigos e disponha sempre do seu amigo.

Djalma Maranho

^ Subir

Desde 1995 dhnet-br.noticiasdetocantins.com Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: [email protected] Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Not
Loja DHnet
DHnet 18 anos - 1995-2013
Linha do Tempo
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos
Sistema Nacional de Direitos Humanos
Sistemas Estaduais de Direitos Humanos
Sistemas Municipais de Direitos Humanos
Hist
MNDH
Militantes Brasileiros de Direitos Humanos
Projeto Brasil Nunca Mais
Direito a Mem
Banco de Dados  Base de Dados Direitos Humanos
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
1935 Multim